Projeto Trajetórias lança dashboard com dados interdisciplinares da Região Amazônica em plataforma internacional
Quando falamos de ciência de dados para a saúde, pode-se pensar em algo duro e quase hermético. Essa impressão pode ser relativizada com a combinação complexa de dados interdisciplinares para analisar cenários complexos, como é a Amazônia brasileira. Este desafio foi assumido pela equipe liderada pela pesquisadora Claudia Codeço do Programa de Computação Científica da Fiocruz (PROCC).
A experiência de combinar esses dados foi apresentada durante o webinário “Usando dados e conceitos interdisciplinares em pesquisa: o Projeto Trajetórias”, realizado dia 26 de outubro, na plataforma zoom, com organização da Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação (VPEIC/Fiocruz), do PROCC, do Hub Fiocruz, em parceria com a The Global Health Network. Conduzido por Rachel Lowe, pesquisadora do Centro Nacional de Supercomputación de Barcelona (BSC/Espanha), o evento teve como principais objetivos apresentar o projeto e seu banco de dados, lançar o dashboard para sua visualização e demonstrar seus usos potenciais. Participaram, além da coordenadora do projeto e da chair, Raquel Lana, pesquisadora de pós-doutorado no BSC/Espanha, Ana Rorato e Ana Paula Dal´Asta, ambas pesquisadoras de pós-doutorado no Instituto Nacional de Pesquisas espaciais (INPE/Brasil).
O conceito
O Projeto Trajetórias faz parte do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose/CNPq), que integra o Consórcio Internacional de Síntese, cujos objetivos são buscar respostas a problemas complexos, fazendo uso da interdisciplinaridade e da integração e harmonização de conceitos e dados de diferentes áreas de conhecimento. A Amazônia, nesse contexto, se encaixa como um cenário modelo para a aplicação do conceito de síntese.
Claudia Codeço destaca que, ao pensar na Amazônia, precisamos ir além da biodiversidade e reiterar sua importância como grande reservatório de água. A região concentra cerca de 20% de toda a água doce do mundo e tanto a floresta como sua população dependem desse recurso para sua sobrevivência, alimentação, produção, transporte, economia e lazer, explica a pesquisadora. Nesse sentido, Codeço aponta que “é preciso reverter o pensamento de que na Amazônia tudo é pobreza de forma que consigamos trazer riqueza e saúde para todas essas dimensões”, gerando novos indicadores para buscar soluções sustentáveis para a região.
Os componentes epidemiológicos, ambientais e econômicos
A construção dos indicadores interdisciplinares pode ser considerada desafiadora por diversos motivos, visto que sua harmonização deve ser feita tanto no tempo, quanto no espaço. Depende, portanto, de fatores como a disponibilidade dos dados, o período em que foi coletado e a que região geográfica se refere, com explica Raquel Lana. Ela reforça a necessidade de criação de novos indicadores que possam dar conta da situação epidemiológica da região, com a concorrência de diversas doenças como Chagas, malária, dengue, entre outras, para superar dados que se centram apenas na incidência, e acabam por simplificar um cenário que é muito mais complexo.
A dimensão ambiental do projeto compreende dados como a perda de habitat, cobertura da terra, métodos de transporte e anomalias climáticas. Os gráficos apresentados demonstram um crescimento do desmatamento nos últimos anos, fruto do desmantelamento da política pública que atuava no sentido de conter essa atividade. Ana Rorato chama atenção para a degradação florestal, ou seja, a perda gradual de cobertura florestal pela remoção seletiva da madeira, que se concentra no arco do desmatamento e provoca mudanças estruturais na floresta, tornando-a mais vulnerável a queimadas e outros processos danosos.
No campo da economia, os dados são extraídos do censo demográfico e do censo agropecuário, que ocorrem a cada dez anos. A pesquisa utiliza o Indicador Multidimensional de Privação (IMP), que combina múltiplas privações que as famílias amazônicas experimentam em um determinado período. Ana Paula Dal´Asta destaca a oposição entre a terra e a floresta nas trajetórias econômicas da Amazônia. Segundo a pesquisadora, a terra é vista como um recurso, enquanto a floresta é tida como um obstáculo a ser superado, disparidade que divide os que querem explorar apenas a terra para cultivo, pasto e mineração e os que fazem uso do sistema florestal como forma de subsistência e produção, em torno dos produtos que a floresta oferece.
A potencialidade do banco de dados Trajetórias
O banco
O banco de dados do projeto, assim como a metodologia utilizada para a construção dos indicadores estão disponíveis para amplo uso, como afirmou Claudia Codeço. Ela reitera que o conjunto de indicadores econômicos, ambientais e epidemiológicos isoladamente já trazem medidas para mapear as paisagens amazônicas, mas faz uma chamada para a necessidade da construção de novos indicadores, que possam relacionar saúde e riqueza na Amazônia.
Utilização por outros países
Para a utilização desses indicadores em outros países, Ana Paula Dal´Asta entende que indicadores como o IMP poderiam ser aplicados com os devidos ajustes para se adequarem aos contextos locais, assim como as dimensões que compreenderiam, as fontes de dados, entre outros fatores.
Aplicação
Pese sua atualização periódica, que segue a produção de dados dos censos demográficos e agropecuário no Brasil, e que gera dados de tendência num determinado período, Codeço indica que se pode relacionar indicadores de tendência e indicadores mais rápidos para avaliar epidemias, transformações rápidas de paisagens e anomalias climáticas, por exemplo. Nesse sentido, aponta para o projeto HARMONIZE, liderado pela mediadora Rachel Lowe, que busca desenvolver modelos computacionais para harmonizar dados e detectar associações entre fatores climáticos e ambientais e o risco de doenças e usá-los como fonte para políticas públicas.
O papel das comunidades locais
Para além da harmonização, capacidade de predição e qualidade dos indicares, Codeço pontua que diversas comunidades da região já monitoram condições climáticas, estoque de pesca, degradação do seu entorno, entre outras condições que afetam suas vidas, e reforça que a união com os povos da região Amazônica é fundamental para trazer realidade e criatividade da construção de indicadores que reflitam o cenário do campo.