1 • Introdução A Carta das Nações Unidas reconheceu em 1945 as soberanias nacionais, o que foi confirmado nos Princípios adotados pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (Estocolmo 1972, Princípio 21). Em complemento, a Conferência das Nações Unidades sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro 1992, Princípio 2) reconheceu explicitamente a soberania nacional sobre os recursos naturais encontrados dentro das áreas sob jurisdição nacional e o compromisso das nações de não causarem impactos sobre outras nações. Como decorrência direta destes princípios, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), ratificada por 195 nações e um órgão regional (a União Europeia), adota como princípio geral (Artigo 3) “Os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de Direito internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas políticas ambientais, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não causem dano ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional”. O Artigo 4, por sua vez, esclarece que “Sujeito aos direitos de outros Estados, e a não ser que de outro modo expressamente determinado nesta Convenção, as disposições desta Convenção aplicam-se em relação à cada Parte Contratante: a) No caso de componentes da diversidade biológica, nas áreas dentro dos limites de sua jurisdição nacional; e b) No caso de processos e atividades realizadas sob sua jurisdição ou controle, independentemente de onde ocorram seus efeitos, dentro da área de sua jurisdição nacional ou além dos limites da jurisdição nacional”. Devido às assimetrias econômicas entre as nações e da distribuição assimétrica da biodiversidade no mundo, fortemente concentrada nas regiões tropicais e subtropicais, os países em desenvolvimento exigiram, durante as negociações que resultaram na CDB, a inclusão dentre os objetivos da CDB (Artigo 1), além da conservação da diversidade biológica e da utilização sustentável de seus componentes, “a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, mediante, inclusive, o acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência adequada de tecnologias pertinentes, levando em conta todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias, e mediante financiamento adequado”. O Artigo 15 da CDB estabeleceu as regras básicas para a implementação deste terceiro objetivo (conhecido pela sigla ABS em inglês) e posteriormente os países membros da CDB aprovaram em 2002 a Decisão VI/24 com as “Diretrizes de Bonn” para orientar os países no desenvolvimento de legislações e regulamentações nacionais para orientar o acesso aos recursos genéticos e a repartição dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos. Ainda em 2002, os países aprovaram na Cúpula de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável um mandato para a CDB coordenar a negociação e adoção de um instrumento internacional vinculante para regulamentar a implementação das regras de ABS – isto foi alcançado com a adoção do Protocolo de Nagoia na 10ª Conferência das Partes da CDB em 2010 em Nagoia, Japão. O “Protocolo de Nagoia sobre acesso a recursos genéticos e repartição justa e equitativa dos benefícios derivados de sua utilização à Convenção sobre Diversidade Biológica” entrou em vigor globalmente em outubro de 2014, 90 (noventa) dias após o depósito na ONU do 50º instrumento de ratificação, quando então foi realizada a primeira Conferência das Partes do Protocolo em Pyeongchang, República da Coreia, conjuntamente com a 12ª Conferência das Partes da CDB. O Brasil assinou na ONU o compromisso de ratificar o Protocolo em 2 de fevereiro de 2011, no entanto, apenas após um acordo entre a Frente Parlamentar da Agropecuária e a Frente Parlamentar Ambientalista (ver Nota Pública de 25 de junho de 2020) a Câmara dos Deputados aprovou no início de julho de 2020 e em seguida o Senado Federal aprovou em 6 de agosto de 2020 a ratificação do Protocolo (PDL 324/2020). A ratificação foi aprovada por meio do Decreto Legislativo 136 de 11 de agosto de 2020, publicado no Diário Oficial da União, seção 1, no 154 página x em 12 de agosto de 2020. Em 4 de março de 2021 o Governo Brasileiro depositou junto à ONU seu instrumento de ratificação e pelas regras da ONU 90 (noventa) dias depois, isto é, em 2 de junho de 2021, o Protocolo entrará em vigor para o Brasil. O Brasil passará a ser o 130º país membro do Protocolo de Nagoia. Até o início de abril de 2021 o Protocolo de Nagoia tinha 129 (cento e vinte e nove) países membros (ver a lista em Parties to the Nagoya Protocol (cbd.int) no Portal da CDB na Internet – https://www.cbd.int/abs/nagoya-protocol/signatories) e com a ratificação pelo Brasil o Protocolo de Nagoia passará a ter 130 países membros a partir de 2 de junho de 2021. AdicionalmenSumário • 1• Introdução - 2 • Os efeitos das declarações contidas na ratificação ao Protocolo de Nagoia pelo Congresso Nacional - 3 • As implicações do compartilhamento de cerca de metade da biodiversidade brasileira com países vizinhos - 4 • As obrigações previstas no Protocolo de Nagoia e sua situação frente à legislação brasileira - 5 • Comentários sobre as diferentes obrigações estabelecidas pelo Protocolo de Nagoia em relação à legislação existente - 6 • Recomendações e sugestões para aperfeiçoar o funcionamento do CGen e seus instrumentos - 7 • Conclusões - 8 • Referências bibliográficas 30 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • te 21 países assinaram o compromisso junto à ONU de ratificar o Protocolo de Nagoia. É razoável esperar que o Protocolo de Nagoia venha a ter em futuro próximo uma membresia no mínimo semelhante àquela do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança – 173 países até o início de abril de 2021. Ainda que o processo de ratificação tenha sido complexo e demorado, justificado pelos diversos interesses econômicos sobre a entrada e saída de recursos – eis que, em última análise, a repartição de benefícios é a contrapartida monetária (ou não monetária) pelo acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados de determinado país provedor, a parte mais complexa chega exatamente agora, pois o sucesso ou insucesso da adesão ao Protocolo de Nagoia, dependerá fundamentalmente de como o país se posicionará na sua regulamentação interna e nas reuniões das Partes. O país fez a sua lição de casa interna, criou e colocou em prática uma legislação que, a despeito de não ser excepcional, tem funcionado no sentido de oferecer respostas ao usuário, tanto no que diz respeito ao acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado (tendo inclusive um sistema eletrônico específico para o propósito) como também para repartição de benefícios, entretanto, não podemos deixar de mencionar que para a grande maioria dos usuários, que é da academia, o sistema eletrônico ainda impede o cumprimento da legislação de forma racional e adequado, como será exposto mais adiante. O presente artigo visa contribuir para o debate, apontando os efeitos das declarações contidas na ratificação ao Protocolo de Nagoia pelo Congresso Nacional (2), as implicações do compartilhamento de cerca de metade da biodiversidade brasileira com países vizinhos (3), as obrigações previstas no Protocolo de Nagoia e sua situação frente à legislação brasileira (4), comentários sobre as diferentes obrigações estabelecidas pelo Protocolo de Nagoia em relação à legislação existente (5), recomendações e sugestões para aperfeiçoar o funcionamento do CGen e seus instrumentos (6), conclusões (7) e referências bibliográficas. 2 • Os efeitos das declarações contidas na ratificação ao Protocolo de Nagoia pelo Congresso Nacional O Congresso Nacional aprovou a ratificação do Protocolo de Nagoia seguindo o parecer do relator deputado Alceu Moreira, com a seguinte ressalva: “A aprovação a que se refere o caput está condicionada à formulação, por ocasião da ratificação desse Protocolo, de declarações consignando o entendimento de que: I – considerando o prescrito no artigo 28 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, quanto à aplicação do disposto no parágrafo 2 do artigo 33 do Protocolo, as disposições do Protocolo de Nagoia, para fins de sua implementação, não terão efeitos retroativos; II – em conformidade com o disposto na alínea “c” do artigo 8 do Protocolo, a exploração econômica para fins de atividades agrícolas, de acordo com a definição constante da Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015, decorrente de material reprodutivo de espécies introduzidas no país pela ação humana até a entrada em vigor desse Protocolo, não estará sujeita à repartição de benefícios nele prevista; III – à luz do disposto no artigo 2, combinado com o disposto no parágrafo 3 do artigo 15, ambos da Convenção sobre Diversidade Biológica, e tendo em vista a aplicação do disposto nos artigos 5 e 6 do Protocolo, consideram-se como encontradas em condições in situ as espécies ou variedades que formem populações espontâneas que tenham adquirido características distintivas próprias no país e a variedade tradicional local ou crioula ou a raça localmente adaptada ou crioula, conforme conceituadas na legislação interna, nomeadamente no art. 2º da Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015, enquadrandose esse país no conceito de “país de origem” desses recursos genéticos. IV – considera-se a lei doméstica para a implementação do Protocolo de Nagoia a Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015”1 e 2 No que diz respeito aos efeitos não retroativos, há uma peculiaridade na legislação brasileira, que, aparentemente, se choca com a regra geral de não retroatividade do Protocolo de Nagoia. O legislador brasileiro definiu na Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015 que os usuários que não haviam acessado regularmente o patrimônio genético/conhecimento tradicional associado ou ainda, tivessem deixado de repartir benefícios na vigência da Medida Provisória 2.186-16/2001, poderiam fazê-lo, desde que repartissem benefícios pelo período prévio, além de assumirem outras obrigações através de uma espécie de ajustamento com o Estado, formalizado por meio de um Termo de Compromisso, inclusive disciplinando uma Portaria específica para tratar do tema (Portaria MMA 199/2020).3 1 (CD207455157200, Documento eletrônico assinado por Alceu Moreira (MDB/RS), através do ponto SDR_56486, na forma do art. 102, § 1º, do RICD c/c o art. 2º, do Ato da Mesa n. 80 de 2016). 2 O Artigo 34 do Protocolo de Nagoia estabelece que para efeitos internacionais “Nenhuma reserva pode ser feita ao presente Protocolo”. Por outro lado, ressalte-se também que o Brasil já possui a obrigação desde 29 de maio de 1994 (90 dias contados do depósito da ratificação da CDB) de facilitar o acesso aos seus recursos genéticos para outros países para usos que não ameacem à biodiversidade e de repartir os benefícios resultantes do uso de recursos genéticos, respeitando as diretrizes gerais de ABS estabelecidos no Artigo 15 da CDB. 3 Portaria MMA 199 de 22 de abril de 2020. 31 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • Outro cenário complexo a ser considerado na questão de retroatividade é a situação provocada pela definição de acesso na atual legislação brasileira. O termo acesso, na legislação brasileira, é o mesmo que utilização do recurso genético no Protocolo de Nagoia, ou seja, pesquisa e desenvolvimento tecnológico envolvendo esses recursos. Enquanto no Protocolo, e consequentemente, na legislação de grande maioria dos outros países, acesso é o mesmo que coleta, aquisição ou isolamento de recursos genéticos. Portanto, ao utilizar recurso genético brasileiro depositado em coleções ex situ ou utilizar as sequências genéticas depositadas em bancos de dados públicos, antes mesmo de 2014, quando o Protocolo entrou em vigor, espera-se que a legislação brasileira seja cumprida pelos outros países. Será necessário que o legislador se atente a estas questões, para harmonizar este aspecto controverso entre o Protocolo e a legislação doméstica. O Brasil adotou um primeiro marco legal nacional para disciplinar a implementação das regras de ABS por meio da Medida Provisória No 2.186 de 2000, modificada pela Medida Provisória No 2.186-16, de 23 de agosto de 2001. Após quase 15 anos de muita burocracia, mas também de muitas lições aprendidas, esta legislação foi revogada e substituída pela Lei 13.123, de 20 de maio de 2015, regulamentada pelo Decreto No 8.772, de 11 de maio de 2016, que dispõem sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade. No âmbito desta nova legislação, especificamente por meio do artigo 46 (parágrafo único), o país fez uma tentativa de “reserva” ao Protocolo de Nagoia, ao consignar que: Art. 46. As atividades realizadas sobre patrimônio genético ou sobre conhecimento tradicional associado que constarem em acordos internacionais aprovados pelo Congresso Nacional e promulgados, quando utilizadas para os fins dos referidos acordos internacionais, deverão ser efetuadas em conformidade com as condições neles definidas, mantidas as exigências deles constantes. Parágrafo único. A repartição de benefícios prevista no Protocolo de Nagoia não se aplica à exploração econômica, para fins de atividade agrícola, de material reprodutivo de espécies introduzidas no País pela ação humana até a entrada em vigor desse Tratado. Também aqui, os efeitos desta reserva estão limitados e circunscritos ao Brasil, uma vez que não há como limitar os efeitos do Protocolo de Nagoia. Além do mais, o referido artigo 46 é bastante limitado frente às diversas disposições contidas no Protocolo de Nagoia e nas legislações locais de cada país. É importante lembrar e isso veremos mais a frente (item 4) que o Protocolo estabelece a transparência e mecanismos de ABS entre países usuários e provedores, assim, ainda que o Brasil tenha tentado criar uma espécie de “escudo” para parte da sua exploração econômica (limitando às atividades agrícolas, como explicita o artigo 46), existem diversas legislações nacionais e locais que obrigam os países usuários a repartir benefícios com o país provedor não apenas para a exploração econômica, mas também pela prática de pesquisa e desenvolvimento.4 Por outro lado, interpretar o raio de abrangência do próprio Protocolo de Nagoia, é tarefa de considerável complexidade. Neste sentido, cabe aqui uma menção ao Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para Agricultura e Alimentação – TIRFAA (ratificado e promulgado no Brasil pelo Decreto 6.476, de 5 de junho de 2008) que estabeleceu um Mecanismo Multilateral com regras simplificadas para acesso e repartição de benefícios para os recursos genéticos vegetais para fins de alimentação e agricultura constantes do seu Anexo I, que inclui espécies e variedades crioulas brasileiras dos gêneros Dioscorea (cará), Ipomoea (batata doce), Manihot (mandioca), Oryza (arroz), Phaseolus (feijão), Xanthosoma (taioba) e Zea (milho). Para as espécies e variedades dos gêneros listados no Anexo I do TIRFAA o Protocolo de Nagoia não se aplica, mas sim as regras do TIRFAA. 4 Ver estudo publicado pela CNI em 2017 e 2018. 32 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • 3 • As implicações do compartilhamento de cerca de metade da biodiversidade brasileira com países vizinhos A biodiversidade brasileira, em especial da Região Amazônica, ainda é pouco conhecida. Por exemplo, Hopkins (2019) estimou que o levantamento florístico e pesquisa botânica no bioma Amazônia brasileira está cerca de 70 (setenta) anos atrasado em relação aos demais biomas brasileiros. Mais de 14.000 espécies de plantas com flor são conhecidas das florestas úmidas baixas da Região Amazônica (Cardoso et al. 2017), sem incluir as áreas de florestas montanas, savanas e páramos. ter Steege et al. (2020) estima que o total de espécies de árvores nas florestas úmidas baixas da Amazônia deve alcançar entre 14.000 e 17.000 espécies (cerca de 20% do total mundial), bem acima das cerca de 6.700 espécies arbóreas atualmente conhecidas. Se a estimativa de ter Steege for extrapolada para as demais formas de vida de plantas significaria que metade da biodiversidade da flora amazônica ainda é desconhecida pela ciência. Com relação à riqueza de espécies da fauna e dos micro -organismos a situação é ainda pior. Lewinsohn e Prado (2006) estimaram que a porção conhecida cientificamente da biodiversidade brasileira (aproximadamente 170.000 espécies válidas reconhecidas segundo a Flora do Brasil Online e o Catálogo Taxonômico da Fauna Brasileira Online) representaria menos de 10% do total de espécies que devem ocorrer no território brasileiro, incluindo a Zona Econômica Exclusiva marinha, e que no ritmo atual de descoberta e descrição científica de novas espécies (uma nova espécie de animal a cada dia e uma nova espécie de planta a cada dois dias) levaria 800 a mil anos para que toda a biodiversidade brasileira fosse descoberta pela ciência (apenas considerando a pesquisa de alfa taxonomia e com as técnicas usadas atualmente). A implicação deste baixo nível de conhecimento científico da biodiversidade brasileira e do bioma Amazônia, em particular, torna impossível saber quantas e quais espécies são de fato endêmicas ao território brasileiro e quantas são compartilhadas com outros países sulamericanos ou mesmo latino-americanos, em especial as espécies amazônicas! Portanto, espécies coletadas no território brasileiro, em especial na região amazônica brasileira podem estar compartilhadas com outros países. O portal da Flora do Brasil Online fornece informações atualizadas sobre quais espécies da flora brasileira são consideradas endêmicas ao Brasil com base nas informações científicas disponíveis atualmente (55,4% das angiospermas, ou 18.808 espécies endêmicas dentre 33.951 espécies nativas). Por outro lado, o portal do Catálogo Taxonômico da Fauna Brasileira Online ainda não disponibiliza informações sistemáticas e confiáveis sobre quais espécies da fauna brasileira são consideradas endêmicas ao Brasil. Clement et al. (2010) estimam que 90 a 140 espécies nativas de plantas amazônicas foram domesticadas (em diferentes níveis de domesticação: incluindo 52 espécies domesticadas, 41 espécies semi-domesticadas e 45 espécies com domesticação incipiente) por diferentes povos indígenas da Região Amazônica (mas veja Fausto & Neves, 2018). Clement et al. (2015) mapearam os diferentes centros de domesticação de plantas distribuídos na região amazônica. Estas espécies possuem, cada uma, dezenas a centenas de variedades crioulas dispersas na região, muitas delas cultivadas atualmente em áreas da região amazônica e além da Amazônia fora da sua área de origem o que levanta questões sobre a natureza jurídica da titularidade destas variedades e dos conhecimentos tradicionais associados. A consequência destes fatos é que uma parcela significativa dos recursos genéticos brasileiros, em especial da Região Amazônica, podem ter uma natureza jurídica transfronteiriça e portanto mais de um país pode reclamar ou reivindicar os direitos de repartição de benefícios pelos novos produtos e processos resultantes da pesquisa e desenvolvimento biotecnológico baseado em recursos genéticos coletados no Brasil e em qualquer dos país amazônico (e eventualmente também baseados em conhecimentos tradicionais associados, que também podem ter uma natureza transfronteiriça). Este fato, de certa forma, estabelece limites no direito soberano dos Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, dos Princípios de Estocolmo, dos Princípios do Rio e do Artigo 3 da CDB, de explorar seus próprios recursos segundo suas políticas ambientais. A CDB (Artigo 2) reconhece como País provedor de recursos genéticos “o país que provê recursos genéticos coletados de fontes in situ, incluindo populações de espécies domesticadas e silvestres, ou obtidas de fontes ex situ, que possam ou não ter sido originados nesse país”, define condições in situ como “as condições em que recursos genéticos existem em ecossistemas e hábitats naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características” e estabelece (Artigo 15, Parágrafo 3) que “para os propósitos desta Convenção, os recursos genéticos providos por uma Parte Contratante, a que se referem este artigo e os artigos 16 e 19, são apenas aqueles providos por Partes Contratantes que sejam países de origem desses recursos ou por Partes que os tenham adquirido em conformidade com esta Convenção”. O Ministério da Agricultura, Produção e Abastecimento (MAPA) para atender à determinação do artigo 113 do Decreto nº 8.772, de 2016, que regulamenta a Lei nº 13.123, 33 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • de 2015, elaborou listas de espécies introduzidas no território nacional (exóticas) que foram oficializadas por meio de Instruções Normativas. A lista de espécies vegetais introduzidas foi publicada pela Instrução Normativa nº 23, de 14 de junho de 2017 e atualizada e ampliada pela Instrução Normativa nº 3, de 20 de março de 2019. A lista de espécies animais domésticas foi publicada pela Instrução Normativa nº 19, de 16 de abril de 2018, foi atualizada e ampliada com a inclusão de espécies animais aquáticas e animais pragas de vegetais pela Instrução Normativa nº 16, de 4 de junho de 2019. Estas listas estão disponíveis no portal do MAPA: https://www. gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/sustentabilidade/tecnologia-agropecuaria/recursos-geneticos-1/especies-introduzidas. Nestas Instruções Normativas a quase totalidade das espécies introduzidas foram consideradas como não tendo populações espontâneas estabelecidas no Brasil (o que é questionável) e apenas uma espécie de planta foi considerada como tendo adquirida propriedades características distintivas no País, a cultivar Empasc 304 (Serrana) da espécie Lolium multiflorum Lam., conhecida vulgarmente como azevem (Anexo II da IN No 23, de 14 de junho de 2017). O Protocolo de Nagoia (Artigo 11) estabelece que “nos casos em que os mesmos recursos genéticos sejam encontrados in situ dentro do território de mais de uma Parte (Nação), essas Partes empenhar-se-ão em cooperar, conforme o caso, com a participação das comunidades indígenas e locais pertinentes, quando aplicável, com vistas à implementação do presente Protocolo” e da mesma forma estabelece que “nos casos em que o mesmo conhecimento tradicional associado a recursos genéticos seja compartilhado por uma ou mais comunidades indígenas e locais em diversas Partes, essas Partes empenharse-ão em cooperar, conforme o caso, com a participação das comunidades indígenas e locais concernentes, com vistas à implementação do objetivo do presente Protocolo”. O Protocolo de Nagoia estabelece também (Artigo 12, Parágrafo 4) que “as Partes (Nações), na implementação do presente Protocolo, não restringirão, na medida do possível, a utilização costumeira e a troca de recursos genéticos e conhecimento tradicional associado nas comunidades indígenas e locais e entre elas, de acordo com os objetivos da Convenção”. 4 • As obrigações previstas no Protocolo de Nagoia e sua situação frente à legislação brasileira O Protocolo de Nagoia estabelece 37 (trinta e sete) obrigações que devem ser cumpridas pelos países membros (isto é, os países que ratificam o compromisso de aderir ao Protocolo ou que aprovam sua aceitação, acesso ou sucessão). Em resumo, quatro destas obrigações já são cumpridas integralmente pela legislação brasileira (artigos 5(4)+Anexo, 8(c), 9 e 19). A legislação brasileira anterior à ratificação do Protocolo de Nagoia não cumpre 11 obrigações previstas no Protocolo (artigos 11(1), 11(2), 13(1), 13(2), 13(4), 18(2 e 3), 20, 22(1, 2ª parte), 23(2ª parte) e 29. Quando a ratificação do Protocolo de Nagoia entrar em vigor para o Brasil o Governo Brasileiro estará assumindo automaticamente estas obrigações. Para cumprir as obrigações 13(1, 2 e 4), o País precisará designar seus pontos focais e suas autoridades nacionais perante o protocolo. Por outro lado, o Brasil já cumpre regularmente o compromisso de submeter relatórios nacionais sobre a implementação de seus compromissos perante a CDB e o Protocolo de Cartagena e não deverá ter dificuldades de cumprir o mesmo em relação ao Protocolo de Nagoia (artigo 29). As demais 22 obrigações já são cumpridas parcialmente pela legislação atual, mas necessitarão complementação na regulamentação do Protocolo de Nagoia no País (artigos 5(1 e 3), 5(2 e 5), 6(1), 6(2), 6(3), 7, 8(a), 8(b), 12(1), 12(2), 12(3), 12(4), 14, 15(1, 2 e 3)+16(2 e 3), 16(1), 17, 18(1), 21, 22(1, 1ª parte) e 23 (1ª parte)). A Lei No 13.123/2015 e seu Decreto No 8.772/2016 apenas estabelecem obrigações e regras ao Brasil enquanto provedor de recursos genéticos e de conhecimentos tradicionais associados – será necessário estabelecer na regulamentação as obrigações e regras ao Brasil enquanto usuário de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados providos por outros países. Na Tabela 1 foram apresentadas as obrigações estabelecidas pelo Protocolo de Nagoia, as obrigações já previstas na Lei No 13.123/ 2015 e Decreto No 8.772/2016 e as obrigações que ainda precisariam ser definidas. 34 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • Obrigação prevista no Protocolo Artigo e Inciso do Protocolo Obrigações já previstas na Lei No 13.123/ 2015 e Decreto No 8.772/2016 Obrigações que precisariam ser definidas na regulamentação do Protocolo de Nagoia Adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas, conforme o caso, com vistas a assegurar que os benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, bem como as aplicações e comercialização subsequentes, serão repartidos de maneira justa e equitativa com a Parte provedora desses recursos que seja o país de origem desses recursos ou uma Parte que tenha adquirido os recursos genéticos em conformidade com a Convenção. Essa repartição ocorrerá mediante termos mutuamente acordados Artigo 5(1 e 3) em parte Definir as medidas legais quando um nacional brasileiro utilizar recursos genéticos (RG) originados de outros países Adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas, conforme o caso, com vistas a assegurar que os benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos detidos por comunidades indígenas e locais, de acordo com a legislação nacional relativa aos direitos estabelecidos dessas comunidades indígenas e locais sobre esses recursos genéticos, sejam repartidos de maneira justa e equitativa com as comunidades relacionadas, com base em termos mutuamente acordados Artigo 5(2 e 5) em parte Definir as medidas legais quando um nacional brasileiro utilizar RG detidos por comunidades indígenas e locais originados de outros países Adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas com vistas a contemplar benefícios monetários e não monetários, incluindo, mas não limitados àqueles listados no Anexo Artigo 5(4) +Anexo sim Assegurar que o acesso a recursos genéticos para sua utilização está sujeito ao consentimento prévio informado da Parte provedora desses recursos que seja país de origem desses recursos ou uma Parte que tenha adquirido os recursos genéticos em conformidade com a Convenção, a menos que diferentemente determinado por aquela Parte Artigo 6(1) em parte Definir as medidas legais quando um nacional brasileiro utilizar RG originados de outros países Adotar medidas com vistas a assegurar que se obtenha o consentimento prévio informado ou a aprovação e a participação das comunidades indígenas e locais para acesso aos recursos genéticos quando essas tiverem o direito estabelecido de conceder acesso a esses recursos Artigo 6(2) em parte Definir as medidas legais quando um nacional brasileiro utilizar RG detidos por comunidades indígenas e locais originados de outros países Tabela 1. Obrigações estabelecidas pelo Protocolo de Nagoia e a situação atual do cumprimento destas obrigações pelo Brasil. 35 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • Adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas necessárias para estabelecer normas e procedimentos justos e não arbitrários sobre o acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios para proporcionar segurança jurídica, clareza e transparência, inclusive para conceder decisão escrita clara e transparente pela autoridade nacional competente, de maneira econômica e em um prazo razoável; determinar emissão, no momento do acesso, de licença ou seu equivalente como comprovante da decisão de outorgar o consentimento prévio informado e do estabelecimento de termos mutuamente acordados Artigo 6(3) em parte Definir as medidas legais quando um nacional brasileiro utilizar RG originados de outros países Adotar medidas com vistas a assegurar que o conhecimento tradicional associado a recursos genéticos detido por comunidades indígenas e locais seja acessado mediante o consentimento prévio informado ou a aprovação e participação dessas comunidades indígenas e locais, e que termos mutuamente acordados tenham sido estabelecidos Artigo 7 em parte Definir as medidas legais quando um nacional brasileiro utilizar conhecimento tradicional associado (CTA) originados de outros países Criar condições para promover e estimular pesquisa que contribua para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica, particularmente em países em desenvolvimento, inclusive por meio de medidas simplificadas de acesso para fins de pesquisa não comercial, levando em conta a necessidade de abordar mudança de intenção dessa pesquisa Artigo 8(a) em parte Definir as medidas legais quando um nacional brasileiro utilizar RG originados de outros países em desenvolvimento Prestar devida atenção a casos de emergências atuais ou iminentes que ameacem ou causem danos à saúde humana, animal ou vegetal, conforme determinado nacionalmente ou internacionalmente, podendo considerar a necessidade de acesso expedito a recursos genéticos e repartição justa, equitativa e expedita dos benefícios derivados da utilização desses recursos genéticos, inclusive acesso a tratamentos acessíveis aos necessitados, especialmente nos países em desenvolvimento Artigo 8(b) em parte Definir as medidas legais quando um nacional brasileiro utilizar RG originados de outros países, especialmente nos países em desenvolvimento 36 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • Considerar a importância dos recursos genéticos para a alimentação e agricultura e seu papel especial para a segurança alimentar Artigo 8(c) sim Encorajar usuários e provedores a direcionar os benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos para a conservação da diversidade biológica e para a utilização sustentável de seus componentes Artigo 9 sim Nos casos em que os mesmos recursos genéticos sejam encontrados in situ dentro do território de mais de uma Parte, empenhar-se-á em cooperar com a participação das comunidades indígenas e locais pertinentes, quando aplicável, para implementação o Protocolo Artigo 11(1) não Definir as medidas legais nestes casos. Nos casos em que o mesmo conhecimento tradicional associado a recursos genéticos seja compartilhado por uma ou mais comunidades indígenas e locais em diversas Partes, empenhar-se-á em cooperar com a participação das comunidades indígenas e locais concernentes, com vistas à implementação do Protocolo Artigo 11(2) não Definir as medidas legais quando um nacional brasileiro utilizar o CTA compartilhado com outras Partes. Levar em consideração leis consuetudinárias, protocolos e procedimentos comunitários das comunidades indígenas e locais, quando apropriado, em relação ao conhecimento tradicional associado a recursos genéticos Artigo 12(1) em parte Definir as medidas legais quando um nacional brasileiro utilizar CTA detido por comunidades indígenas e locais originados de outros países Estabelecer, com a participação efetiva das comunidades indígenas e locais concernentes, mecanismos para informar potenciais usuários de conhecimento tradicional associado a recursos genéticos sobre suas obrigações, incluindo medidas disponibilizadas por meio do Centro de Intermediação de Informação sobre ABS para acesso a esse conhecimento e repartição justa e equitativa dos benefícios derivados de sua utilização Artigo 12(2) em parte Definir esses mecanismos na regulamentação do Protocolo de Nagoia Empenhar-se-á em apoiar o desenvolvimento, pelas comunidades indígenas e locais, incluindo mulheres dessas comunidades, de protocolos comunitários relativos ao acesso a conhecimento tradicional associado a recursos genéticos e à repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização de tal conhecimento e na definição de requisitos mínimos para o acordo de repartição de benefícios e cláusulas contratuais para a repartição de benefícios Artigo 12(3) em parte Definir medidas legais quanto ao envolvimento dos detentores de CTA no desenvolvimento de protocolos comunitários e na definição de requisitos mínimos para o acordo de repartição de benefícios e cláusulas contratuais para a repartição de benefícios 37 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Ar

Não restringir, na medida do possível, a utilização costumeira e a troca de recursos genéticos e conhecimento tradicional associado nas comunidades indígenas e locais e entre elas, de acordo com os objetivos da Convenção Artigo 12(4) em parte Definir as medidas legais quanto aos detentores de CTA de outros países Designar um ponto focal nacional para acesso e repartição de benefícios que disponibilizará informações para as situações previstas Artigo 13(1) não Informar o Secretariado da CDB sobre a designação Designar uma ou mais autoridades nacionais competentes em acesso e repartição de benefícios responsáveis por outorgar o acesso ou, conforme o caso, fornecer comprovante escrito de que os requisitos de acesso foram cumpridos, e serão responsáveis por orientar sobre os procedimentos e requisitos aplicáveis para obter o consentimento prévio informado e concertar termos mutuamente acordados Artigo 13(2) não Informar o Secretariado da CDB sobre a designação Notificar o Secretariado, até a data de entrada em vigor do presente Protocolo para essa Parte, sobre as informações de contato de seu ponto focal nacional e de sua autoridade ou autoridades nacionais competentes Artigo 13(4) não Informar o Secretariado da CDB sobre estas designações Disponibilizar ao Centro de Intermediação de Informações sobre Acesso e Repartição de Benefícios (Clearing House Mechanism – CHM em inglês) toda informação requerida em virtude desse Protocolo, bem como informações requeridas de acordo com as decisões tomadas pela Conferência das Partes atuando na qualidade de reunião das Partes do presente Protocolo, incluindo obrigatoriamente três tipos de informações listadas no Parágrafo 2 e informações adicionais opcionais listadas no Parágrafo 3 Artigo 14 em parte Disponibilizar ao CHM os documentos relacionados com a Legislação Brasileira em inglês e que reveja a questão do acesso ao SisGen por estrangeiros Adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas apropriadas, efetivas e proporcionais para assegurar que os recursos genéticos utilizados em sua jurisdição tenham sido acessados de acordo com o consentimento prévio informado e que termos mutuamente acordados tenham sido estabelecidos, conforme exigido pela legislação ou pelos regulamentos nacionais de acesso e repartição de benefícios da outra Parte Artigo 15(1) em parte Definir as medidas legais quanto aos titulares de RG e detentores de CTA de outros países 38 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • Tomar medidas apropriadas, efetivas e proporcionais para tratar situações de não cumprimento das medidas adotadas de acordo com o Parágrafo 1 do Artigo 16 e, na medida do possível e conforme o caso, cooperará com outras Partes em casos de alegada violação da legislação ou dos regulamentos nacionais de acesso e repartição de benefícios mencionados 15(2 e 3) + 16(2 e 3) em parte Definir essas medidas legais em relação ao não cumprimento das medidas adotadas na cooperação com outras Partes Adotar medidas legislativas, administrativas ou políticas apropriadas, efetivas e proporcionais, conforme o caso, para assegurar que o conhecimento tradicional associado a recursos genéticos utilizados em sua jurisdição tenha sido acessado de acordo com o consentimento prévio informado ou com a aprovação e a participação de comunidades indígenas e locais e que termos mutuamente acordados tenham sido estabelecidos, conforme exigido pela legislação ou pelos regulamentos nacionais de acesso e repartição de benefícios da outra Parte onde essas comunidades indígenas e locais estiverem localizadas 16(1) em parte Definir as medidas legais quanto aos detentores de CTA de outros países Adotar medidas, conforme o caso, para monitorar e aumentar a transparência sobre a utilização de recursos genéticos, contemplando quatro tipos de medidas prescritas Artigo 17 em parte Definir essas medidas legais para garantir o controle e transparência quanto à utilização de RG e CTA de outros países, assim como também definir órgãos/organizações como pontos de verificação, cuja atuação poderia ser atendida por exemplo por agências de fomento (FINEP, CNPq), IBAMA, ICMBio, ANVISA ou ainda INPI Estimular provedores e usuários de recursos genéticos e/ou conhecimento tradicional associado a recursos genéticos a incluir nos termos mutuamente acordados, conforme o caso, dispositivos sobre solução de controvérsias Artigo 18(1) em parte Definir os dispositivos específicos sobre solução de controvérsias Assegurar a possibilidade de recurso em seus sistemas jurídicos, em conformidade com os requisitos jurisdicionais aplicáveis, nos casos de controvérsias oriundas dos termos mutuamente acordados; e tomar medidas efetivas, conforme o caso, sobre: (a) acesso à justiça; e (b) utilização de mecanismos relativos ao reconhecimento mútuo e execução de sentenças estrangeiras e decisões arbitrais Artigo 18 (2 e 3) não Definir as medidas legais quanto à possibilidade de recurso nos casos de controvérsias Estimular o desenvolvimento, a atualização e o uso de cláusulas contratuais modelo setoriais e intersetoriais para termos mutuamente acordados Artigo 19 sim 39 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • Estimular, conforme o caso, o desenvolvimento, a atualização e o uso de códigos voluntários de conduta, diretrizes e boas práticas e/ou normas em relação a acesso e repartição de benefícios Artigo 20 não Definir a possibilidade de desenvolvimento, a atualização e o uso de códigos de conduta, diretrizes e boas práticas e/ou normas Tomar medidas para elevar a conscientização a respeito da importância dos recursos genéticos e do conhecimento tradicional associado a recursos genéticos, bem como de outras questões relacionadas a acesso e repartição de benefícios, incluindo os tipos de medidas listados Artigo 21 em parte Definir medidas mais específicas quanto a essa conscientização, inclusive quanto ao respeito e observação aos direitos e regras para acessar recursos genéticos e conhecimentos tradicionais de outros países Cooperar para a criação de o desenvolvimento de capacidades e para o fortalecimento dos recursos humanos e das capacidades institucionais, para implementar efetivamente este Protocolo nos países em desenvolvimento Partes, em especial nas áreas-chave listadas no Parágrafo 4 e as modalidades previstas no Parágrafo 5, e devem prestar informação sobre estas atividades ao Centro de Intermediação de Informação sobre ABS - CHM/ABS Artigo 22 (1, 1ª parte) e 4, 5 em parte Definir as opções apresentadas nestes parágrafos que não foram previstas na Lei 13.123 de 2015, mas não só para o Brasil como também para outros países em desenvolvimento que sejam Partes Facilitar a participação nas atividades de capacitação das comunidades indígenas e locais e dos interessados pertinentes, incluindo as organizações não-governamentais e o setor privado Artigo 22 (1, 2ª parte) em parte Definir esta participação por organizações não  governamentais e o setor privado Colaborar e cooperar em programas de pesquisa técnica e científica e de desenvolvimento, inclusive em atividades de pesquisa biotecnológica Artigo 23 (1ª parte) em parte Definir essa associação nos casos de utilização de RG e CTA de outros países, mais especificamente com outros países em desenvolvimento que sejam Parte

Compromete-se a promover e estimular o acesso à tecnologia e a transferência de tecnologia para países em desenvolvimento Partes Artigo 23 (2ª parte) não Definir estas ações em relação a outros países em desenvolvimento que sejam Partes Apresentar relatórios nacionais periódicos dando conta das medidas tomadas para implementar o protocolo no país Artigo 29 não Apresentar relatórios nacionais periódicos 5 • Comentários sobre as diferentes obrigações estabelecidas pelo Protocolo de Nagoia em relação à legislação existente: Para facilitar a compreensão e de forma bastante objetiva, entendemos oportuno apontar abaixo alguns dos dispositivos do Protocolo de Nagoia (mais relevantes) e suas implicações frente à legislação brasileira. Artigo 5 (Parágrafos 1 e 3) A legislação brasileira já cumpre em parte esta obrigação. Importante notar que Parágrafo 1 é mais extensivo quando comparado à legislação brasileira. Diz o Parágrafo 1 do Protocolo de Nagoia que “Em conformidade com o Artigo 15, parágrafos 13 e 7 da Convenção, benefícios decorrentes da utilização de recursos genéticos bem como aplicações subsequentes e comercialização serão repartidos de modo justo e equitativo com a Parte provedora desse recurso...” Na Lei 13.123 de 2015 estão previstas as regras para a repartição de benefícios resultantes da exploração econômica de produto acabado ou de material reprodutivo oriundos de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado, que pode ser monetária e não monetária, mas apenas para os usuários da biodiversidade brasileira, tanto nacionais como estrangeiros. Entretanto, não há regras quanto ao uso da biodiversidade de outros países por brasileiros. A legislação brasileira limita a exigência de repartição de benefícios às empresas que fabricam produtos acabados, excluindo estas obrigações aos usuários que fazem pesquisa e desenvolvimento, além dos fabricantes intermediários, etc. Este é um aspecto que o legislador deve se debruçar, notadamente para não criar um descompasso entre as regras locais de outros países (mais abrangentes em relação à repartição de benefícios) e a legislação brasileira (mais restritiva). Artigo 5 (Parágrafos 2 e 5) A legislação brasileira já cumpre em parte esta obrigação. De acordo com a Lei 13.123 de 2015, as regras para a repartição de benefícios derivados da utilização de patrimônio genético mantido pelos detentores de CTA são as mesmas que aquelas para a repartição de benefícios derivados da utilização de patrimônio genético que não é mantido por eles. No entanto, vale mencionar que a Lei prevê um outro tipo de acesso específico ao CTA, isto é, o acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético de componentes da agrobiodiversidade, que ficou conhecido em alguns segmentos sociais como “CTA intrínseco”, uma vez que considera o conhecimento tradicional embutido no patrimônio genético de variedade tradicional local ou crioula ou de raça localmente adaptada ou crioula. A Lei esclarece que quando o acesso ao “CTA intrínseco” for realizado exclusivamente para atividades agrícolas, este é considerado como CTA de origem não identificável e, portanto, não depende de consentimento prévio informado. No entanto, quando o “CTA intrínseco” for acessado para qualquer outra finalidade (uso medicinal, por exemplo) e for possível identificar pelo menos algum detentor de CTA “que cria, desenvolve, detém ou conserva” este conhecimento, é necessário que se obtenha antes do acesso o consentimento prévio, livre e informado da população ou comunidade provedora 5. Entretanto, estas regras são válidas apenas para nacionais brasileiros, não havendo regulamentação para os casos envolvendo detentores de CTA de outros países. Artigo 5 (Parágrafo 4 e Anexo) 5 Cartilha da Câmara Setorial da Academia do CGEN, 2018, disponível em https://www.mma.gov.br/images/arquivo/80043/camara-setorial-academia/cartilha_para_a_academia_lei_13123_maio_2018.pdf 41 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • A legislação brasileira já cumpre esta obrigação. A Lei 13.123 de 2015 contempla a repartição monetária e não monetária. No caso de repartição monetária foi definido um percentual de 1% ou pelo menos 0,1% por acordo setorial da renda líquida obtida com a venda do produto acabado ou material reprodutivo oriundo do patrimônio genético e/ou CTA. No caso de repartição não monetária há uma lista de opções que tem semelhança com algumas das opções listadas no anexo do Protocolo de Nagoia: a) projetos para conservação ou uso sustentável de biodiversidade ou para proteção e manutenção de conhecimentos, inovações ou práticas de populações indígenas, de comunidades tradicionais ou de agricultores tradicionais, preferencialmente no local de ocorrência da espécie em condição in situ ou de obtenção da amostra quando não se puder especificar o local original; b) transferência de tecnologias; c) disponibilização em domínio público de produto, sem proteção por direito de propriedade intelectual ou restrição tecnológica; d) licenciamento de produtos livre de ônus; e) capacitação de recursos humanos em temas relacionados à conservação e uso sustentável do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado; e f) distribuição gratuita de produtos em programas de interesse social. Como já dito, a legislação criou uma “reserva” no artigo 46, ou seja, que não se aplicará à exploração econômica, para fins de atividade agrícola, de material reprodutivo de espécies introduzidas no País pela ação humana até a entrada em vigor do Protocolo, ou seja, 12 de outubro de 2014. Artigo 6 (Parágrafo 1) Não está previsto na atual legislação brasileira (Lei 13.123 de 2015) o consentimento prévio informado (CPI) para os usuários de recursos genéticos brasileiros, definidos pela lei como bens da União, ao contrário da legislação anterior, a Medida Provisória 2.186/2001, quando havia a exigência de obtenção de autorização prévia para o acesso ao PG. Atualmente o pesquisador pode fazer um cadastro de acesso auto-declaratório no SisGen após iniciar as atividades com o PG (pesquisa e desenvolvimento tecnológico), entretanto este cadastro deve ser realizado previamente à remessa de amostras ao exterior; ao requerimento de qualquer direito de propriedade intelectual; à comercialização do produto intermediário; à divulgação dos resultados, finais ou parciais, em meios científicos ou de comunicação; ou ainda, à notificação de produto acabado ou material reprodutivo desenvolvido em decorrência do acesso. Portanto, de uma certa forma, há um tipo de “consentimento” prévio dado pela Lei antes do início dessas atividades, por meio do cadastro que após ser finalizado gera um comprovante de cadastro de acesso pelo SisGen que poderia ter um valor equiparado ao CPI. Existe um entendimento que o CPI para pesquisa e desenvolvimento tecnológico já estaria autorizado pela Lei 13.123 de 2015. Vale ainda notar uma peculiaridade da Lei 13.123/2015 que é o disposto no artigo 12, II. Definiu o legislador que o acesso ao patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado por pessoa jurídica sediada no exterior somente ocorrerá quando esta pessoa jurídica estiver associada a instituição nacional de pesquisa científica e tecnológica, pública ou privada. Entretanto, quando o acesso ocorrer no Brasil, um pedido de autorização para coleta e pesquisa (expedições científicas) tem que ser obtido junto ao CNPq pela instituição brasileira para a instituição estrangeira. A exigência para estrangeiros se associarem a instituições brasileiras para a realização de pesquisas no Brasil foi estabelecida em 1933 com a criação do Conselho das Expedições Artísticas e Científicas (CFE), criado com o objetivo de proteger o patrimônio científico e cultural do país, normatizando a realização das expedições em território brasileiro e fiscalizando-as. Este conselho durou até 1968, quando foi extinto sob a justificativa de que suas atribuições eram exercidas pelo CNPq, no tocante às expedições científicas, e quanto às culturas locais, por instituições como o Serviço de Proteção aos índios (Grupioni 1998). O Decreto da CFE foi substituído pelo Decreto nº 65.057, de 26 de agosto de 1969, que dispõe sobre a concessão de licença para a realização de expedições cientificas no Brasil, substituído por sua vez pelo Decreto nº 98.830, de 15 de janeiro de 1990, que dispõe sobre a coleta por estrangeiros de dados e materiais científicos no Brasil. Criado pelo Decreto nº 22.698 de 11 de maio de 1933, o CFE era composto por representantes de vários setores do 42 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • estado, entre eles o Ministério das Relações Exteriores, Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Serviço Geográfico do Exército, Escola Nacional de Belas Artes, Museu Histórico Nacional e Museu Nacional do Rio de Janeiro, e o CFE contava ainda com delegados nos estados que eram utilizados para fazer a vigilância sobre os expedicionários e reunir informações sobre os mesmos, além de trabalhar em conjunto com o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e o Conselho Nacional de Proteção aos Índios (Frade 2020). Os arquivos com mais de 20.000 documentos do CFE foram resgatados dos arquivos mortos do CNPq pela equipe técnica do Arquivo de História da Ciência do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCT) no Rio de Janeiro (MAST 2012). Artigo 6 (Parágrafo 2) A legislação brasileira (Lei 13.123 de 2015) já cumpre em parte esta obrigação. Na legislação atual, a obtenção do Consentimento Prévio Informado (CPI) é obrigatória antes de qualquer pesquisa no caso de caso do CTA de origem identificável. Vale ressaltar que mesmo aquele CTA encontrado em fontes secundárias (feiras, publicações, inventários, filmes, artigos científicos, cadastros e outros), nas quais há a identificação dos detentores de CTA, caracteriza-se como CTA de origem identificável e, portanto, será exigido este CPI. Por outro lado, não há nenhuma regulamentação no caso do acesso ao CTA de outros países. Artigo 6 (Parágrafo 3) A legislação brasileira (Lei 13.123 de 2015) já cumpre em parte esta obrigação. O sistema eletrônico SisGen, por meio do qual, é gerado o comprovante de acesso automaticamente após a finalização do cadastro de acesso, confere transparência e rapidez ao procedimento que seria equivalente ao descrito como de CPI pelo Protocolo de Nagoia. Da mesma forma em relação aos termos mutuamente acordados que teria sua equivalência no cadastro de notificação, pelo qual é indicada a repartição de benefícios (monetária ou não monetária) e ao qual é anexado o acordo de repartição de benefícios. No entanto, estas regras são válidas para recursos genéticos brasileiros, não havendo regulamentação para os casos envolvendo o acesso de recursos genéticos de outros países. Artigo 7 Já há previsão na Lei 13.123 de 2015. Considerando que há dois tipos de CTA previstos na lei brasileira, o CTA de origem identificável e o CTA de origem não identificável, o CPI é apenas exigido quando o CTA é de origem identificável, ou seja, quando é possível vincular o CTA à sua origem a, pelo menos, uma população indígena, comunidade tradicional ou agricultor tradicional. Já no caso de CTA de origem não identificável essa vinculação não é possível e, desta forma, não há a exigência de CPI. No entanto, estas regras são válidas para conhecimentos tradicionais brasileiros, não havendo regulamentação para os casos envolvendo o acesso a conhecimentos tradicionais de outros países. Artigo 8 (Parágrafo a) A legislação brasileira (Lei 13.123 de 2015) já cumpre em parte esta obrigação. Tanto o governo federal como os governos estaduais e o setor privado têm programas de fomento à pesquisa que apoiam a conservação e o uso sustentável da biodiversidade 6. Adicionalmente, deve se considerar que a promoção e estimulo à pesquisa que contribua para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica ocorra por meio da repartição de benefícios monetária, cujos recursos são depositados no Fundo Nacional de Repartição de Benefícios (FNRB) e serão utilizados no Programa Nacional de Repartição de Benefícios - PNRB, com a finalidade de promover, entre outros: conservação da diversidade biológica; levantamento e inventário do patrimônio genético; capacitação de recursos humanos associados ao uso e à conservação do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado; proteção, promoção do uso e valorização dos conhecimentos tradicionais associados; fomento à pesquisa e desenvolvimento tecnológico associado ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado; adoção de medidas para minimizar ou, se possível, eliminar as ameaças ao patrimônio genético. Da mesma forma, esta promoção e estímulo é observado no caso de repartição não monetária, que também de acordo com a Lei 13.123 de 2015, poderá ser: projetos para conservação, uso sustentável de biodiversidade, proteção e manutenção de conhecimentos, inovações ou práticas de populações detentoras de conhecimento tradicional; b) transferência de tecnologias; c) disponibilização em domínio público de produto, sem proteção por direito de propriedade intelectual ou restrição tecnológica; d) licenciamento de produtos livre de ônus; e) capacitação de recursos humanos em temas relacionados à conservação e uso sustentável do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado; f) distribuição gratuita de produtos em programas de interesse social. 6 Veja informações no 6º Relatório Nacional do Brasil para a CDB submetido em novembro de 2019 relativas à implementação da Meta Nacional de Biodiversidade 19 e à implementação da Estratégia Global de Conservação da Flora. 43 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • Quanto às medidas simplificadas de acesso para fins de pesquisa não comercial, a atual legislação não foi bem-sucedida, pelo contrário. As dificuldades para o cumprimento da legislação pelos pesquisadores envolvidos com pesquisas não comerciais – grande maioria dos usuários que são alcançados pela legislação - resultou na proposição pela academia e aprovação pelo CGen de várias resoluções e orientações técnicas entre 2018 e 2019 para resolver problemas causados pela primeira versão do SisGen, que está em processo de reformulação nos últimos anos para que de fato o cumprimento da legislação de forma simplificada ocorra. Quanto à questão da mudança de intenção dessa pesquisa, de não comercial para comercial, pode se considerar que foi atendida pela legislação atual, visto que a repartição de benefícios ocorre apenas quando há um produto para ser comercializado. Contudo, todas estas regras são válidas apenas para recursos genéticos brasileiros, não havendo regulamentação para os casos envolvendo o acesso de recursos genéticos de outros países, conforme já exposto. Será necessário rever a exigência na Lei 13.123/2015 de cadastro de acesso no caso de pesquisa não comercial para nacionais de outras Partes. Atualmente o RG e/ou CTA apenas podem ser acessados por instituições estrangeiras (pessoa jurídica sediada no exterior), em parceria com instituições brasileiras (pública ou privada), que são responsáveis pelo cadastro do projeto e pelas eventuais atualizações no SisGen. Portanto, o pesquisador estrangeiro (apenas aqueles vinculados a instituições), que utilizar o RG brasileiro para pesquisa tem que, por meio da sua instituição, se associar a uma instituição de pesquisa brasileira que será responsável pelo cadastro. No entanto, atualmente esta exigência está dificultando a utilização do RG brasileiro por pesquisadores estrangeiros e até mesmo impedindo a descrição de novas espécies de bactérias. De acordo com o Código Internacional de Nomenclatura de Procariotos, para a descrição de uma nova espécie de bactéria, uma linhagem da nova bactéria deve ser depositada em coleções de cultura em dois países diferentes, onde subculturas desta linhagem tipo podem ser fornecidas e utilizadas sem nenhuma restrição. Entretanto, esta exigência de associação é uma restrição ao uso das linhagens tipos. Portanto, este aspecto terá que ser revisto no contexto da Lei Nº 13.123/2015 com a proposta de uma simplificação do processo em casos de pesquisas não comerciais. Artigo 8 (Parágrafo b) A legislação brasileira (Lei 13.123 de 2015) cumpre em parte esta obrigação. No artigo 115 do Decreto 8.772/2016 foi definido que o Ministério da Saúde e o Ministério do Meio Ambiente, em Portaria conjunta, disciplinarão procedimento simplificado para a realização de remessa de patrimônio genético relacionado à situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional - ESPIN, de que trata o Decreto nº 7.616, de 17 de novembro de 2011. Devido à pandemia da COVID-19 foi publicada pelo MS e pelo MMA a Portaria Interministerial Nº 155, de 3 de abril de 2020, que regulamenta o art. 115 do Decreto nº 8.772/2016, estabelecendo procedimento simplificado para a realização de remessa de patrimônio genético relacionado à situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional - ESPIN, de que trata o Decreto nº 7.616, de 17 de novembro de 2011, especificamente para o enfrentamento do estado de ESPIN em decorrência da Infecção Humana pelo coronavírus (COVID-19)7 . Entretanto, a Portaria manteve a exigência de Termo de Transferência de Material (TTM) previamente à remessa, portanto o procedimento ainda é moroso e complexo, apesar da facilitação trazida pela Resolução CGen Nº 12 de 2018, de poder ter um TTM com validade de 10 anos, renováveis, quando a remessa é realizada para a mesma instituição no exterior. Quanto aos benefícios resultantes da exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo oriundo de pesquisa ou desenvolvimento tecnológico referente à COVID-19, as regras são as mesmas para as situações ordinárias. No entanto, estas regras são válidas apenas para recursos genéticos brasileiros, não havendo regulamentação para os casos envolvendo o acesso de recursos genéticos de outros países. 7 https://www.migalhas.com.br/depeso/324314/governo-disciplina-a-remessa-simplificada-para-o-exterior-de-patrimonio-genetico-para-p-d-envolvendo-covid-19 44 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • Artigo 8 (Parágrafo c) A legislação brasileira (Lei 13.123 de 2015) cumpre esta obrigação. Tratando-se de atividade agrícola, a repartição de benefícios será devida pelo produtor responsável pelo último elo da cadeia produtiva de material reprodutivo. Adicionalmente há dispensa de CPI para o uso de variedades tradicionais locais ou crioulas e os direitos do agricultor estabelecidos no Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura (TIRFAA/FAO) são reconhecidos pela atual legislação 8. Artigo 9 A legislação brasileira (Lei 13.123 de 2015) já cumpre esta obrigação. Por meio do Programa Nacional de Repartição de Benefícios - PNRB, vinculado ao Fundo Nacional de Repartição de Benefícios (FNRB) que recebe recursos das repartições monetárias e das multas aplicadas em virtude do descumprimento da Lei, e da repartição de benefícios não monetária, a conservação da diversidade biológica e a utilização sustentável de seus componentes serão encorajados. Artigo 11 (Parágrafos 1 e 2) A legislação brasileira não cumpre esta obrigação. Ver comentários na seção sobre espécies compartilhadas com outros países (item 3). Artigo 12 (Parágrafo 1) A legislação brasileira cumpre em parte esta obrigação. São reconhecidos aos índios (Artigo 231 da Constituição Federal de 1988) “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Segundo seu § 1º “são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. Pelo § 2º “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. § 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. Segundo o § 6º “são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar...”. De acordo com o Artigo 232 “os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”. Adicionalmente, de acordo com a Lei 13.123 de 2015, a comprovação do consentimento prévio informado poderá ocorrer, a critério da população indígena, da comunidade tradicional ou do agricultor tradicional, pelos seguintes instrumentos, na forma do regulamento, incluindo a adesão na forma prevista em protocolo comunitário. Além disso, de acordo com o Decreto 8.772 de 2016, a obtenção de consentimento prévio informado de provedor de conhecimento tradicional associado deverá respeitar as formas tradicionais de organização e representação de população indígena, comunidade tradicional ou agricultor tradicional e o respectivo protocolo comunitário, quando houver. Também de acordo com o Decreto, o FNRB poderá apoiar projetos e atividades relacionados à elaboração de protocolos comunitários. Por outro lado, não há medidas legais quando um nacional brasileiro utilizar CTA detido por comunidades indígenas e locais originados de outros países. Artigo 12 (Parágrafo 2) Além dos direitos reconhecidos pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei 13.123 de 2015 o CGen promove eventos e matérias de comunicação e divulgação dentro do País e tem promovido, juntamente com a CNI, a divulgação no exterior sobre a legislação brasileira. Entretanto, a legislação nacional não estabeleceu mecanismos específicos para cumprir esta obrigação. Artigo 12 (Parágrafo 3) A legislação brasileira cumpre em parte esta obrigação. Apesar da Lei 13.123 de 2015 e do seu Decreto de regulamentação (Decreto 8.772 de 2016) reconhecerem os protocolos comunitários, não há determinação clara quanto ao apoio no desenvolvimento de protocolos comunitários pelos detentores de CTA. Mesmo assim algumas comunidades locais no Brasil desenvolveram seus protocolos comunitários. Da mesma forma em relação aos requisitos mínimos para termos mutuamente acordados, no caso da legislação atual, no acordo de repartição de benefícios. Por outro lado, a Lei 13.123 estabelece que os detentores de CTA, que criam, desenvolvem, detêm ou conservam conhecimento tradicional as- 8 Comunicação pessoal Rosa Miriam Vasconcelos (Embrapa). 45 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • sociado, tem garantidos os direitos de participar do processo de tomada de decisão sobre assuntos relacionados ao acesso a conhecimento tradicional associado e à repartição de benefícios decorrente desse acesso, na forma do regulamento. Artigo 12 (Parágrafo 4) A legislação brasileira cumpre em parte esta obrigação. A Lei 13.123 de 2015 definiu que os detentores de CTA, que criam, desenvolvem, detêm ou conservam conhecimento tradicional associado, tem garantidos os direitos de usar ou vender livremente produtos que contenham patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado, observados os dispositivos das Leis nº s 9.456, de 25 de abril de 1997 , e 10.711, de 5 de agosto de 2003 ; e conservar, manejar, guardar, produzir, trocar, desenvolver, melhorar material reprodutivo que contenha patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado. Entretanto, estas garantias não são definidas para os detentores de CTA de outros países. Artigo 13 (Parágrafo 1) De acordo com o Centro de Intermediação de Informações sobre Acesso e Repartição de Benefícios, o ponto focal do Brasil é o Ministério das Relações Exteriores, entretanto esta determinação não está presente nem na Lei 13.123 de 2015 e nem no seu Decreto de regulamentação (Decreto 8.772 de 2016), mas no nível nacional a Lei 13.123 designou o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) efetivamente como a autoridade nacional sobre acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados e repartição de benefícios. Artigo 13 (Parágrafo 2) A legislação brasileira (Lei 13.123 de 2015) cumpre parcialmente esta obrigação. A Lei designou no âmbito do Ministério do Meio Ambiente o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético - CGen, órgão colegiado de caráter deliberativo, normativo, consultivo e recursal, responsável por coordenar a elaboração e a implementação de políticas para a gestão do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado e da repartição de benefícios, formado por representação de órgãos e entidades da administração pública federal que detêm competência sobre as diversas ações de que trata a Lei, como a autoridade nacional em acesso e repartição de benefícios. Artigo 13 (Parágrafo 4) Será necessária uma manifestação formal da Autoridade Nacional de ABS (o CGen) ao Secretariado da CDB e do Protocolo de Nagoia informando sobre estas designações. Artigo 14 (Parágrafos 1 a 4) O Brasil tem cumprido regularmente a obrigação de submeter informações ao Centro de Intermediação de Informações (CHM) da CDB. O Brasil já disponibilizou a tradução oficial da Lei 13.123 de 2015 em inglês. Entretanto ainda não foi disponibilizada a tradução do Decreto 8.772 de 2016 em inglês. Além disso, o sistema eletrônico SisGen não é acessível aos estrangeiros, apenas aos brasileiros ou estrangeiros vinculados às instituições brasileiras. Artigo 15 (Parágrafo 1) Já há previsão na Lei 13.123 de 2015 no que se refere aos recursos genéticos acessados no território brasileiro (inclusive no Mar Territorial e na Zona Econômica Exclusiva marinha). A legislação brasileira cumpre esta obrigação, considerando os procedimentos de cadastro de acesso e de notificação no caso de patrimônio genético brasileiro, apesar de não haver consentimento prévio informado como descrito no Protocolo de Nagoia, como já discutido anteriormente. Além disso, de acordo com o Decreto 8.772 de 2016, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) é responsável por elaborar, publicar e revisar, periodicamente, lista de referência de espécies animais e vegetais domesticadas ou cultivadas que foram introduzidas no território nacional, utilizadas nas atividades agrícolas. Esta lista de referência terá que indicar as espécies que formam populações espontâneas e as variedades que tenham adquirido propriedades características distintivas no País (ver item 3 acima). 46 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • Adicionalmente, considerando que os micro-organismos são na sua grande maioria considerados como cosmopolitas e para evitar insegurança jurídica quanto à sua origem, a Lei assegura que o micro-organismo que tenha sido isolado a partir de substratos do território nacional, do mar territorial, da zona econômica exclusiva ou da plataforma continental é parte do patrimônio genético. Entretanto, estas garantias não são definidas para os titulares de RG e detentores de CTA de outros países, portanto o atendimento desta obrigação é parcial. Artigo 15 (Parágrafos 2 e 3) e Artigo 16 (Parágrafos 2 e 3) A legislação brasileira (Lei 13.123 de 2015) cumpre em parte esta obrigação. No Decreto 8.772 de 2016, nos artigos 78 a 91, foram definidas as infrações administrativas contra o patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado brasileiros. Essas infrações administrativas serão punidas com as seguintes sanções, entre outros: advertência, multa e apreensão. No entanto, não há regras em relação à cooperação com outras Partes no caso de acesso de patrimônio genético e CTA de outros países. Artigo 16 (Parágrafo 1) Em parte, isto já está previsto na Lei 13.123 de 2015 no que se refere a conhecimentos tradicionais associados de povos indígenas e comunidades locais brasileiras. Como descrito anteriormente, em casos de CTA de origem identificável, nas quais há a identificação dos detentores de CTA mesmo que por fontes secundárias (feiras, publicações, inventários, filmes, artigos científicos, cadastros e outros), o Consentimento Prévio Informado (CPI) é obrigatório antes de qualquer pesquisa. Entretanto, estas garantias não são definidas para os detentores de CTA de outros países. Artigo 17 (Parágrafos 1 a 4) A Lei 13.123 de 2015 cumpre em parte esta obrigação. O desenvolvimento do sistema eletrônico SisGen visa garantir a transparência e a rastreabilidade quanto à utilização do patrimônio genético e CTA brasileiro. No SisGen estão disponíveis as informações sobre acesso ao PG e CTA por meio de pesquisa e/ou desenvolvimento tecnológico; remessa e envio de PG; sobre as notificações de produto acabado e material reprodutivo, que incluem informações sobre a comercialização e os acordos de repartição de benefícios; e atestados de regularidade de acesso. Quanto aos certificados de cumprimento internacionalmente reconhecidos (CCIR), o Decreto 8.772 de 2016 estabelece que, a pedido do usuário, o CGen poderá emitir o CCIR que servirá como prova de que as atividades sobre o patrimônio genético ou o conhecimento tradicional associado foram realizadas conforme o disposto na Lei. Contudo, a legislação atual não definiu estes procedimentos de transparência e rastreabilidade para controlar a utilização por brasileiros de PG e CTA de outros países. Outro aspecto a ser observado é que não houve designação de órgãos/organizações como pontos de verificação (checkpoint). Artigo 18 (Parágrafo 1) A legislação brasileira cumpre em parte esta obrigação. Segundo a Lei 13.123 de 2015, foram definidas, para os acordos de repartição de benefícios, cláusulas essenciais, entre elas, o foro no Brasil. Artigo 18 (Parágrafos 2 e 3) A Lei 13.123/2015 não prevê esta obrigação. Artigo 19 (Parágrafo 1) A legislação brasileira cumpre esta obrigação. Segundo a Lei 13.123 de 2015, são cláusulas essenciais do acordo de repartição de benefícios, as que dispõem sobre: I - produtos objeto de exploração econômica; II - prazo de duração; III - modalidade de repartição de benefícios; IV - direitos e responsabilidades das partes; V - direito de propriedade intelectual; VI - rescisão; VII - penalidades; e VIII - foro no Brasil. Artigo 20 (Parágrafo 1) A Lei 13.123 de 2015 não prevê esta obrigação. Artigo 21 A legislação brasileira (Lei 13.123 de 2015) cumpre em parte esta obrigação. Pode-se considerar que há medidas quanto à essa conscientização, se considerarmos o Programa Nacional de Repartição de Benefícios - PNRB, que prevê o uso dos recursos do FNRB para promover, entre outros: proteção, promoção do uso e valorização dos conhecimentos tradicionais associados; implantação e desenvolvimento de atividades relacionadas ao uso sustentável da diversidade biológica, sua conservação e repartição de benefícios; apoio aos esforços das populações indígenas, das comunidades tradicionais e dos agricultores tradicionais no manejo sustentável e na conservação de patrimônio genético. Artigo 22 (Parágrafos 1, 1ª parte, 2 a 6) A legislação brasileira cumpre em parte esta obrigação. A Lei 13.123 de 2015 define como opções de repartição de benefícios não monetária a transferênciade tecnologias e 47 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • a capacitação de recursos humanos em temas relacionados à conservação e uso sustentável do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado. Adicionalmente, no âmbito do Programa Nacional de Repartição de Benefícios - PNRB, estão listadas como algumas das opções a serem promovidas com o recurso do FNRB, por exemplo: conservação da diversidade biológica; a prospecção e capacitação de recursos humanos associados ao uso e à conservação do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado; e, fomento à pesquisa e desenvolvimento tecnológico associado ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado. Entretanto, não há na Lei 13.123 de 2015 indicação de muitas das áreas-chave e modalidades previstas nos Parágrafos 4 e 5 do Artigo 22 do Protocolo de Nagoia. Artigo 22 (Parágrafo 1, 2ª parte) A Lei 13.123 de 2015 não prevê esta obrigação. Artigo 23 (1ª parte) A legislação brasileira cumpre em parte esta obrigação. A Lei 13.123 de 2015 determina que a biodiversidade brasileira e o CTA podem ser acessados por instituições estrangeras que estejam associadas a uma instituição brasileira (pública ou privada) que será responsável pelo cadastro e pelas eventuais atualizações no SisGen. No entanto, esta determinação está prevista apenas com relação ao PG e CTA brasileiros. Artigo 23 (2ª parte) A Lei 13.123 de 2015 não prevê esta obrigação. Artigo 29 Aparentemente, esta obrigação não será um problema para o Brasil que tem cumprido em tempo hábil a obrigação de submeter relatórios nacional sobre a implementação da CDB e sobre a implementação do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança. 6 • Recomendações e sugestões para aperfeiçoar o funcionamento do CGen e seus instrumentos Considerando o exposto, fica evidente a necessidade de uma regulamentação que atenda às 11 (onze) obrigações previstas no Protocolo que ainda não são cumpridas e às 22 (vinte e duas) obrigações que são cumpridas parcialmente, tais como medidas legais quando um nacional brasileiro utilizar recursos genéticos e CTA originados de outros países; medidas legais quando um nacional brasileiro utilizar recursos genéticos e CTA originados de outros países em desenvolvimento; medidas legais quando um nacional brasileiro utilizar o RG e CTA compartilhados com outras Partes. Levando em conta que o Protocolo de Nagoia considera acesso como sendo coleta e a Lei Nº 13.123 de 2015 considera acesso como sendo pesquisa e desenvolvimento tecnológico, como discutido anteriormente, será necessária a harmonização deste aspecto controverso do Protocolo e da legislação doméstica. Neste contexto, também cabe mencionar que a autorização de coleta de material biológico no Brasil é responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. A autorização prévia (consentimento prévio informado) é obtida por meio do Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade – SISBio, sendo uma exigência para qualquer coleta de material zoológico no Brasil pelo fato da legislação brasileira considerar toda a fauna nativa como um bem do Estado. No entanto para material botânico, fúngico e microbiológico a obtenção de autorização é voluntária, com exceção das coletas em unidade de conservação ou cavidade natural subterrânea (cavernas). Desta forma, o Brasil, além da Lei 13.123/2015 terá que considerar como legislação doméstica também a Instrução Normativa Nº 03, de 1 de setembro de 2014 do ICMBio, na qual a coleta está regulamentada. Adicionalmente, ao designar as autoridades nacionais competentes em acesso e repartição de benefícios responsáveis, além de designar o CGen, será necessário também designar o ICMBio por ser responsável pelos acessos de acordo com o Protocolo de Nagoia. 48 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • De acordo com o artigo 14, o Brasil terá que fornecer as informações sobre acesso e repartição de benefícios ao CHM/ABS. Sendo assim, terá que ser previsto o acesso por estrangeiros ao SisGen e aos seus dados, o que atualmente não é possível e é contestado por alguns atores que participam do CGen. Aliada a esta obrigação, é necessário também considerar o exposto no artigo 8(a), de que os países Parte deverão promover e estimular pesquisa que contribua para a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica, inclusive por meio de medidas simplificadas de acesso para fins de pesquisa não comercial, o que reforça ainda mais a necessidade do acesso simplificado ao SisGen pelos nacionais estrangeiros envolvidos com pesquisa não comercial. Ainda com relação ao acesso simplificado ao SisGen, a versão 2 é muito aguardada pelos usuários justamente pela perspectiva de finalmente termos um sistema que permita o cumprimento da legislação de maneira simplificada e racional, considerando as várias normas aprovadas pelo CGen com este objetivo. Portanto para atender algumas das obrigações do Protocolo de Nagoya a 2ª versão do SisGen em português e inglês acessível aos estrangeiros será fundamental, reforçando a necessidade de que isso ocorra antes da sua entrada em vigor. Com relação ao artigo 8(b) sobre os casos de emergências atuais ou iminentes que ameacem ou causem danos à saúde humana, animal ou vegetal, conforme determinado nacionalmente ou internacionalmente, parcialmente atendido pelo Brasil, será necessária uma avaliação da efetividade do artigo 115 do Decreto 8.772/2016. Devido à pandemia da COVID-19 foi publicada a Portaria Interministerial Nº 155, de 3 de abril de 2020 com base neste artigo, no entanto este instrumento não tem permitido o acesso expedito aos recursos genéticos, inclusive devido ao problema causado pela exigência de associação de estrangeiros com instituições brasileiras. Finalmente e, considerando que o Protocolo de Nagoia não possui efeitos retroativos, há necessidade de ser revista a Portaria 199/20 do Ministério do Meio Ambiente (que obriga as empresas estrangeiras a repartirem benefícios de forma pretérita) a fim de que a legislação interna fique em harmonia com o Protocolo. 7 • Conclusões Com a adesão ao Protocolo de Nagoia, o Brasil deu um passo bastante relevante para se inserir no contexto global de acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados e repartição de benefícios, todavia é necessário adequar sua legislação doméstica (alterando o que for necessário) para que haja harmonização das obrigações. É importante lembrar que para o país, o Protocolo tem efeitos tanto como país provedor de ativos relevantes para as mais diversas pesquisas e indústrias (alimentícia, farmacêutica, cosmética e até mesmo automobilística), como também país usuário, ao fazer uso de recursos genéticos de origem estrangeira. Alguns aspectos não foram abordados no artigo, como por exemplo, uma comparação das diversas normas estabelecidas pelo CGen, que serão contempladas na 2ª versão do SisGen, e as obrigações contidas no Protocolo de Nagoia. O que se buscou, resumidamente, foi apontar: a) O histórico das discussões internacionais sobre acesso e repartição de benefícios, apontando a Carta das Nações Unidas (1945) e os Princípios adotados nas Conferências da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em Estocolmo (1972) e no Rio de Janeiro (1992) que reconheceram a soberania das nações para disciplinar regras internas sobre seus recursos naturais, culminando com as regras da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica (1993) e no mais recente Protocolo de Nagoia (2014), com a recentíssima adesão pelo Brasil (que depositou sua carta de ratificação junto ao secretariado da ONU em 05 de março de 2021). b) A discussão sobre as declarações estabelecidas pelo Congresso Nacional, que nasceram controversas, uma vez que o Protocolo de Nagoia não admite reservas, além do que ainda resta a questão sobre a retroatividade de exigências de repartição de benefícios no Brasil, notadamente porque o legislador definiu regras para regularização do passado (inclusive repartição de benefícios para empresas estrangeiras, como dispõe a Portaria 199/2020 do Ministério do Meio Ambiente). c) Que o raio de abrangência do Protocolo de Nagoia encontra limites diversos, inclusive pelo Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para Agricultura e Alimentação – TIRFAA. d) A natureza transfronteiriça de cerca de metade da biodiversidade brasileira, em especial a riqueza do bioma amazônico, e a dificuldade de tratar da natureza jurídica de parte das espécies, pela sua situação transfronteiriça. e) As obrigações do Brasil ao ratificar o Protocolo de Nagoia, frente a Lei 13.123/2015, inclusive com uma tabela apontando, sob a nossa ótica, o status de cada uma das obrigações e a eventual necessidade de resposta legislativa, finalizando com um comentário específico sobre cada necessário avanço legislativo. Os usuários do sistema de acesso e repartição de benefícios (que são diversos, desde as indústrias, povos e comunidades tradicionais, instituições de pesquisa e ensino, etc) terão um enorme desafio para interpretar e se adequar à legislação existente e ao Protocolo de Nagoia, sendo necessário que se organizem e municiem o legislador, para que, ao final, as normas relacionadas ao acesso e repartição de benefícios possam atingir os diversos objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica, inclusive a conservação da biodiversidade 49 Revista da ABPI • nº 171 •Mar/Abr 2021 • Artigo • e a valorização dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais associados. Referências bibliográficas Brasil. Senado Federal. Decreto Legislativo 136 de 11 de agosto de 2020 que aprova o texto do Protocolo de Nagoia, Diário Oficial da União, seção 1, no 154 páginas 2 e 3, em 12 de agosto de 2020 Cardoso, Domingos et al., 2017. 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